domingo, 11 de setembro de 2011

O vendedor de cactos

O vendedor de cactos vivia não aqui, nem ali. Vivia simplesmente acolá, lá bem à frente dos olhos de quem o quisesse ver.
Gostava de cactos como a maioria gosta de açúcar. O seu coração era do tamanho da palma da mão de um gigante. Tinha olhos rasgados e um sorriso muito acanhado, um pouco enroscado às rugas de expressão. Era um homem de poucas palavras e de muito menos falatórios.
Logo pela manhã, bem cedo, mesmo antes do galo Galó acordar, ia fazer o seu café de saco e assomava-se para apreciar o romper do novo dia. Depois, pegava nas suas tralhas e lá ia para o mercado vender. Só vendia cactos pois dizia não saber cuidar de nenhuma outra planta.
Um dia tentou ter amores perfeitos mas como de perfeição não percebia nada, foram-se todos os seus amores. Os cactos eram bem mais simples. Tinham sido fruto de um clima bem mais quente, como o chá. Bebiam pouca água e eram inteligentes ao ponto de a armazenar para mais tarde. Como defesa, usavam os picos para ferir quem não soubesse olhar para eles. Um cacto é uma planta poderosa. O vendedor, um poço de mistérios.
Dizem os sociólogos que o Homem é naturalmente um ser sociável. Na realidade, o vendedor vivia na solidão ou na melhor companhia!? Por vezes ignoramos ou tentamos não compreender que cada um busca a sua felicidade por caminhos bem diferentes. Uns com outros, outros com animais, alguns com cactos. No fim de contas não serão todos felizes?

30.08.2011
Porque por vezes a vida surpreende-nos e torna um dia de Primavera num dia horrível de Inverno. Não há chuva. Não há neve. Há apenas aquele frio horrível que nos percorre o corpo e nos deixa em tons acinzentados. Às vezes a vida tem destas coisas! E a saudade dança como uma serpente em forma de lágrima pelo nosso rosto.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O meu rádio toca baixinho. Cada vez mais baixinho. Quero ouvi-lo.Ouvi-lo mais alto. Ele tocava alto mas não deu importância ao tempo e este passou rápido demais por ele. Não é o tempo que passa rápido, somos nós que passamos rápido demais pelo tempo. Ganhamos velocidade quando deixamos de sonhar. Mas eu quero que o meu rádio volte a tocar. A tocar alto. Quero ouvir aquela voz rouca sair das ranhuras do aparelho. Quero, quero e quero. Ele não se partiu mas decidiu partir. Levou com ele o cheiro e deixou-me as lembranças guardadas no sótão das memórias. Toca. Vá lá, toca. Dança. Sente. Faz-me sonhar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A triste estória do guardador de silêncios

Mariazinha tirava a roupa mesmo antes do Zé sentir o frio da sua ausência. Tinham-se conhecido em dia de lua cheia, com o céu coberto de estrelas numa dessas festas populares cheias de gente inimiga da política. (Aí a política era tomada como assunto proibido).
As pessoas limitavam-se a dançar, cantar, conviver...tudo aquilo que diariamente mal têm tempo para fazer. Mariazinha não usava channel mas nem assim deixou de brilhar aos olhos verdes de Zé Tomé. O seu rosto pálido e os lisos cabelos negros eram então a maior alegria para Zé, o homem que guardava o silêncio de tantos outros. Dizem que com o passar do tempo, também Zé tinha abraçado o silêncio fazendo juras negras à sua voz.
Quando os olhos dos dois se tocaram puseram-se a dançar durante toca a noite. No fim Zé Tomé silenciosamente pegou Mariazinha pela mão e foi sambar nas margens do Rio Kuêze. A noite passou. As estrelas adormeceram. Os passarinhos começaram a chilrear. As folhas dançavam abraçadas ao vento.
No dia seguinte, Zambé o menino dos recados da vila andava doido à procura de Mariazinha para lhe dar a boa nova. Ela tinha conseguido finalmente trabalho mas muito longe de todo este cenário.No ar, mesmo antes da sua partida, já pairava a saudade da sua ausência.
E foi assim que Zé Tomé o guardador de silêncios se deixou levar também ele para outros mundos tão distantes que até hoje ninguém o voltou a ver. Uns dizem que desapareceu. Outros dizem que partiu em busca de toda a alegria que conseguiu viver naquele dia.
01-12-2010